Confissões sobre o Euro 2016

 

Confesso que não sou e nunca fui fã de futebol (apesar de nutrir um óbvio carinho pela seleção nacional e por um determinado clube de cores verde e branca, pouco habituado a grandes vitórias). Confesso que nunca entendi o fanatismo em torno daquilo que é (ou deveria ser) apenas um desporto, uma competição saudável. Confesso que jamais entenderei porque, por futebol, se perdem amizades, se mata e se morre. Confesso, também, que nunca gostei de desportos coletivos em geral. Confesso ainda que não sou a mais nacionalista das criaturas. Sou portuguesa e pronto.
No entanto, confesso, igualmente, que, de vez em quando, existem torneios que mexem comigo. Foi o caso do mundial (Copa do Mundo) de 1994, em que torci afincadamente pelo Brasil, minha segunda pátria. Tinha acabado de chegar do Rio de Janeiro, onde os preparativos fervorosos para a "Copa do Mundo" contagiavam toda a gente. Lembro-me de ter ficado durante semanas a fio com a música que eles criaram na cabeça: "Eu vou, eu vou / Vou do jeito que eu sei / De gol em gol / Com direito a replay / Eu sei que vou / Com o coração batendo a mil / É taça na raça, Brasil".

Em 2004, novamente, um torneio de futebol ao qual me foi impossível ficar indiferente: era em Portugal e, graças ao grande selecionador Luiz Felipe Scolari (ironicamente, brasileiro), surgiu uma torcida pela seleção portuguesa como nunca se tinha visto. Por todo o lado, viam-se bandeiras de Portugal na janela, em cachecóis, até em roupa! Nunca, até então, tinha acontecido algo parecido. Vibrei até ao fim, principalmente com o guarda-redes Ricardo, aquele que marcava penalties e defendia sem luvas... Portugal perdeu, fiquei triste, mas não entendi porque o assunto continuou a render, nos dias que se seguiram. Tínhamos perdido? Ok, paciência. Para quê continuar a pensar em algo triste?

Desta vez, com o Euro 2016, confesso que não vibrei. Vivi-o com a mesma indiferença com a qual vivo qualquer torneio. O único jogo que me captou a atenção foi, justamente, a final. Mesmo nunca acreditando numa vitória, era Portugal na final. Deixei a televisão ligada no jogo, enquanto fazia um trabalho, que ficara pendente durante o fim-de-semana.

Aos poucos, confesso, fui-me sentindo incomodada: Cristiano Ronaldo acabara de ser lesionado e sair do campo, em lágrimas. "Já fomos", pensei, encolhendo os ombros, conformada... No entanto, estranhamente, foi o que me despertou mais a atenção. Ao mesmo tempo, também a própria seleção pareceu galvanizada, dando tudo por tudo, em nome do seu capitão e como forma de resposta a todos os risos, ataques e humilhações que haviam sofrido por parte da França:
- Jornais a insultar a seleção portuguesa;
- Queimam a bandeira de Portugal;
- Lesionam o Cristiano Ronaldo;
- Assobiam quando pensam que o CR continua a jogar;
O "ataque" a CR7 parecia ser propositado, tanto mais que não foi marcada falta e, pouco depois, Ricardo Quaresma esteve prestes a ser igualmente lesionado. A vontade de fazer com que os adversários engolissem o que tinham dito e feito tomou conta de mim... e penso que também da seleção.

Do banco, Ronaldo levou a peito a sua condição de capitão e deu dicas e força aos companheiros, de forma incansável, ainda que coxeando, sobre um joelho lesionado. No intervalo do prolongamento, incentivou os colegas e disse a Éder: "Vai lá e marca, sei que és tu quem vai marcar".
E assim foi. Éder, o discreto Éder, por quem poucos davam alguma coisa, marcou e elevou Portugal a Campeão Europeu e tornou-se no grande herói. Irónico, não é? Mas Éder foi o símbolo da própria seleção portuguesa, em quem poucos acreditavam, mas acabou por vencer.

Continuo sem perceber a obcessão por futebol. No entanto, hoje, estou feliz porque ela existe. Não só porque Portugal venceu, mas pela forma como venceu, sob a forma de bofetada de luva branca a todos os franceses que tanto o criticaram, troçaram e atacaram.
A equipa tida como fraca, o jogador tido como fraco, o craque forte que foi retirado do campo, em sofrimento... Foram os heróis, contra todas as probabilidades.
Está na Bíblia: "Portanto, todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado". Foi o que aconteceu.

Foi um fim-de-semana em cheio para o desporto português: nos europeus de atletismo de Amsterdão, o ouro e o bronze foram atribuídos às portuguesas Sara Moreira e Jéssica Augusto, ao passo que Patrícia Mamona conquistou a medalha de ouro no triplo salto, no Campeonato Europeu de Atletismo. Também Rui Costa foi segundo lugar na 9ª etapa da Volta à França.

Parabéns a todos... e obrigada pelos sorrisos dados ao povo português, que bem tem precisado. Como sempre, Portugal tarda (e muito!), mas não falha.

Confesso que nunca esperei... Mas também confesso que estou feliz.